SE OS ANJOS PREGASSEM!

Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego. Romanos 1.16

Esta declaração foi feita pelo apóstolo Paulo ao iniciar uma de suas mais importantes epístolas.  Paulo estava ansioso por visitar a igreja em Roma, no entanto, foi divinamente impedido de fazê-lo por duas vezes, então decidiu escrever uma epístola enquanto permanecia em Corinto.

No mundo grego, testificar do sacrifício de Cristo na cruz era uma mensagem que escandalizava. Parecia loucura para a cultura grega. O apóstolo Paulo fez então, um apanhado doutrinário para orientar os romanos; começando com a aliança entre Deus e Abraão que foi ratificada com seus descendentes e interpretado o sacrifício de Jesus à luz das Escrituras.

Embora Paulo nos primeiros anos do cristianismo tenha sido incisivo em sua declaração fundamental: "pois não me envergonho do Evangelho", certamente ele se envergonharia do que se prega na atualidade. Paulo definiu o evangelho como “poder de Deus para salvação”. Evangelho deriva da palavra grega “ευαγγέλιον” e significa literalmente: "boa noticia", "boa mensagem", "boa nova".  Seguindo essa lógica:

OS ANJOS E A BOA NOTÍCIA

  • Maria recebeu uma boa noticia quando o anjo a notificou de haver sido escolhida como a mãe do Salvador.  Lucas 1.26 - 33
  • José recebeu uma boa noticia de que Maria não lhe havia traído, mas que se achava concebida do Espírito Santo. Mateus 1.18 - 32
  • Os pastores receberam  a boa noticia do nascimento de Jesus,  Lucas 2. 8 - 14.  
Em todas estas citações os anjos estavam encarregados de levar a boa nova para essas pessoas.

Tenho ouvido e lido frequentemente que os anjos desejaram pregar o evangelho, mas que Deus reservou essa tarefa para nós os seres humanos; interpretação precipitada da primeira carta de Pedro:

A eles foi revelado que, não para si mesmos, mas para vós outros, ministravam as coisas que, agora, vos foram anunciados por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho, coisas essas que anjos anelam perscrutar. 1Pe 1.12

Os anjos são agentes de Deus, prontos a executar a ordem divina, o apostolo Pedro fez referência aos anjos como seres interessados em conhecer o resultado final da obra divina, não como desejosos de pregar em nosso lugar a palavra da redenção. 

Os verbos gregos utilizados no texto são: "epithumeo", que significa desejar ardentemente, e "parakuptō" que significa abaixar-se para ver (como no evangelho de João 20.5 e 11). Apesar de, aquela frase mostrar  que os anjos tem grande interesse no progresso da pregação do Evangelho aqui na terra, não há indícios de que eles desejaram ser os pregadores em nosso lugar.

Segundo a tradução Revista e Corrigida de João Ferreira de Almeida, o termo usado é “atentar”.  Tanto na Bíblia de Genebra  como na King James, a palavra foi traduzida por “perscrutar”. Já na Bíblia de Jerusalém a tradução é “ contemplar”.   Não existe qualquer indicação de que os anjos desejaram pregar o Evangelho, apesar de cooperarem com os pregadores.
  • O anjo abriu a porta da prisão para Pedro continuar pregando. Atos 12.6-11
  • Orientou Cornélio a receber o apostolo. Atos 10.3-8

A função de pregar o evangelho, e anunciar as boas novas da salvação conquistada na cruz, através do sacrifício de Cristo é nossa. Constitui-se, mais um ato do amor de Deus pelos pecadores, do que a manifestação da ira divina sobre a raça humana. Cristo nos ordenou pregar o evangelho a toda criatura, e fazer discípulos de todos os povos. Após sua ressurreição, no livro de Atos 1.8 ele promete nos encher do seu Santo Espírito para que pudéssemos, além de anunciar as boas novas, testificar  do poder transformador desse evangelho anunciado.      
Tristemente, o evangelho que deveria ser anunciado como boa noticia, está perdendo sua característica nos lábios da maioria dos anunciadores, que o tem confundido com praticamente tudo, menos o evangelho. O amor de Deus pelo pecador arrependido já quase não é pregado, no lugar dele prega-se a destruição, o apocalipse, o terror, o juízo final.

Além da função de anunciar e testemunhar, reivindicamos  também a função de converter o pecador;  para isso, nos utilizamos do proselitismo com estratégias terroristas, levando as pessoas a buscar nossas congregações e nossas igrejas, mais pelo medo do inferno do que pelo desejo do céu.

Paulo certamente sentiria vergonha do evangelho pregado no século XXI, o evangelho da auto ajuda e da prosperidade financeira, evangelho da fama que massageia o ego dos anunciadores, evangelho que despreza e ignora a manifestação do amor de Deus, capaz de operar eficazmente,  transformando o velho pecador em  uma nova criatura.

Cabe a nós, a tarefa de evangelizar. Coisa que já deixamos a muito de fazer. Converter e convencer são tarefas do Espírito Santo.    

Sem pretensões de eximir-me do meu dever de pregar, imagino: "e se os anjos pregassem ?".  Os anjos não pregam, mas como seria bom se eles pregassem.
  • Certamente estaríamos livres do falso evangelho da prosperidade, que só tem a capacidade de  prosperar os seus propagadores.
  • Se os anjos pregassem, com certeza quebraria a máquina de fazer dinheiro, errôneamente INTITULADA “obra de Deus” da qual muitos se utilizam como lema de sua ganância.
  • Se os anjos pregassem, teríamos mais convertidos na igreja, e menos convencidos de alguma coisa. A autoridade seria reconhecida na Palavra de Deus, não na coreografia e na possante voz do ministro.
  • Se os anjos pregassem, não teríamos falsos relatórios de conversão, que nada mais fazem além de gerar uma certa euforia de explosão de crescimento que "NÃO ESTÁ ACONTECENDO!".  
  • Se os anjos pregassem, acredito que não haveria tanta disputa por crentes de outras denominações, pois  o alvo seriam os inconversos, perdidos, e desesperados que precisam de Deus, e por não encontrá-lo estão dando cabo à própria vida na intenção de aliviar a dor do momento.
  • Se os anjos pregassem, os membros das igrejas não seriam tratados como animais no curral dos lideres ministeriais, mas como ovelhas do Rebanho do supremo Pastor.
  • Se os anjos pregassem, com certeza, os que se aproximassem da mesa do pastor do salmo 23, o fariam para ter comunhão com Ele, não apenas para desfrutar da mesa.
  • Se os anjos pregassem, em nossos congressos não se cobraria entrada, mas dar-se-iam contribuições voluntárias para fins logísticos.   
  • Se os anjos pregassem, não haveria tantos escândalos, lideres transportando armas, lavagem de dinheiro, petições do trízimo,  vendas de indulgências, diferença no trato para com os humildes.
  • Se os anjos pregassem, as pessoas seriam vistas como almas carentes de Deus, não como cifras na conta bancaria do apostolo, bispo, padre pastor ou reverendo.
  • Se os anjos pregassem, não haveriam falsos prognosticadores marcando equivocadamente a volta de Jesus à terra,
Mas os anjos não pregam. Por isso, não devemos esperar dos anjos o que deveríamos fazer. Refutar as inovações, as heresias e os charlatões que diariamente surgem na igreja. É também nosso dever refutar tudo que fere a sã doutrina bíblica, e que torna dúbia a mensagem da salvação. 
  A ação não surge do pensamento, mas de uma disposição para assumir responsabilidades!
Dietrich Bonhoeffer